Tenho dado por mim a refletir mais neste jogo do que previ ao inicio, não só pelo impacto emocional que deixou, mas também pelas escolhas do seu design, que para bem ou mal, fazem dele um jogo interessante de analisar.
Antes de começar, quero apenas dizer que acho o RDR2 um jogo de qualidade, mas que podia ter sido ainda melhor, e que apesar destes pontos não serem graves em comparação com o que de resto é tão bom, são aspetos que a longo prazo acabaram por me incomodar um pouco. Só o facto dum jogo desta escala e ambição ter tão poucos aspetos negativos, é absolutamente admirável. O mundo criado é tão rico, detalhado e dinâmico que um dos poucos aspetos que o separa da realidade é o facto de ser feito a partir de polígonos virtuais.

Porque tenho de começar por algum lado, um aspeto que acho interessante do jogo, que me apercebi recentemente, é a expectativa que o mesmo cria, com base no tipo de jogo que é. Por exemplo, há uma semanas estava a falar com um amigo que ainda não experimentou o jogo e ele mostrou interesse, uma vez que gosta de jogos aos quais possa dedicar muitas horas. Para além disso, assumiu que, por ser mundo aberto, tem a possibilidade de abordar as situações de maneira muito diversa.
Infelizmente não é bem esse o caso. Ao ouvir isto dei comigo a pensar na ironia da situação em que temos um jogo que apesar de ser de mundo aberto, tem um design tão linear, que a maneira como nós abordamos as situações são praticamente iguais à de outros jogadores. Para ser claro, o problema não é o design linear por si mesmo, mas sim, o facto do jogo pegar num modelo de mundo aberto e não o aproveitar para desenvolver a resolução de problemas de formas criativas. Para um jogo tão focado em realismo, na minha opinião, por vezes desnecessário, e um mundo tão dinâmico, temos uma forma chocantemente limitada para interagir com ele. Por exemplo, ao viajar pelo mapa, encontramos com regularidade bandidos a quererem armar-nos ciladas e a resposta a estas situações é sempre a mesma – dar-lhes um tiro na cara. Com isto não quero dizer que os controlos ou jogabilidade são maus, apenas muito repetitivos e requerem pouco ou nenhum desafio. Para além destes encontros, temos ainda missões com história propriamente dita em que a Rockstar tira completamente qualquer liberdade que se possa ter, em que se segue uma série extremamente rígida de instruções até acabar a missão, e caso não sigamos essas instruções exatamente quando eles querem, falhamos a missão e temos de repetir tudo.
Em segundo lugar gostava de falar da importância do inicio dum jogo, seja ele qual for. Para isso achei que poderia ajudar referir um documentário sobre o processo criativo do reboot de Doom, lançado em 2016, em que o diretor do jogo refere que o inicio é uma das partes mais importantes porque serve para comunicar ao jogador que tipo de experiência vai ter.
Olhando primeiro para Doom, um jogo de ação, este não perde muito tempo com introduções – uns simples 40 segundos com uma narração e uma cutscene, que nos informam do tom do jogo, antes de tomarmos controlo, fazem o trabalho com eficácia.
Mas para ser justo, estes jogos são bastante diferentes no que tentam atingir, por isso vamos pegar num exemplo mais semelhante – The Witcher 3. Neste jogo temos uma secção introdutória linear para combate, que pode demorar até 30 minutos, uma quantidade de tempo até razoável, e a partir daí podemos explorar o mundo como bem entendermos. No entanto, se aplicarmos o mesmo princípio ao RDR2, um jogo de mundo aberto, temos uma secção introdutória linear que pode demorar até 2 horas, o que pode resultar em duas conclusões para o jogador: 1) alguém, que de alguma forma não conheça o jogo, vai partir do pressuposto que o jogo é linear e quando este eventualmente se abrir para exploração, pode deixar o jogador confuso por momentos, ou até desinteressado porque pensou que o tipo de experiência era diferente; 2) alguém como eu, que sabe mais ou menos no que se vai meter, provavelmente vai ficar impaciente porque sabe que o mapa vai abrir, mas fica com a sensação que o jogo está a gastar o seu tempo com introduções demasiado longas.

Por último, quero falar nos sistemas. Existem mais para além do monetário e do de honra mas quero focar-me apenas nestes dois por me parecerem os mais interessantes de explorar no ponto de vista da execução. O mais fácil de explicar é o monetário: o jogo dá-nos muito dinheiro e muito rápido, o que faz com que o jogador faça as atividades secundárias apenas se estiver com essa disposição. Todas essas atividades como a caça e pesca, para mim, foram postas de lado porque não tinha nenhuma razão para usar a recompensa que ofereciam, que por norma são upgrades no inventário, equipamento ou indumentária que pouco ou nada afeta a jogabilidade. Por exemplo, não senti nenhuma necessidade de ir caçar um animal selvagem de forma a ter os ingredientes necessários para produzir munições explosivas, quando as normais que tinha em abundância durante o jogo todo, serviam perfeitamente. Tudo bem, vamos dar o benefício da dúvida e admitir que esse tipo de munições não é para ser usada em inimigos humanos, mas em animais de grande porte como o urso. Ainda assim não tive grande razão para o ir caçar porque tinha dinheiro mais que suficiente para gastar e a recompensa não era assim tão valiosa.
O que o sistema de honra faz, é essencialmente levar a história a fins ligeiramente diferentes. Apesar de eu achar que o jogo leva a um desfecho mais marcante sendo jogado com a honra neutra ou boa, não posso dizer com qualquer certeza que quem joga com honra baixa, não tem a mesma resposta emocional. É difícil falar deste tópico sem entrar em spoilers, mas a personagem do Arthur parece-me ser suposta jogar como alguém, de alguma forma, redimível, alguém que faz más escolhas com regularidade mas não tira propriamente prazer nisso, apenas tem ideais que vão contra um mundo (superficialmente) civilizado, que lhe foram transmitidos pelo seu mentor Dutch a quem ele sente uma enorme dívida e lealdade por tê-lo acolhido na comunidade que vemos no jogo. Para fazer a ligação entre o sistema e a história, uma disparidade que sobressai é que nós podemos ser os maiores otários para todos os membros da comunidade e o máximo que nos acontece é uma palmadinha na mão e a história segue em frente em que as personagens quase nem referem o nosso comportamento, seja ele bom ou mau.

Enquanto revia e reescrevia este texto não pude deixar de reparar que ele parece demasiado negativo, por isso, como gostava de acabar num tom positivo decidi mencionar a execução duma atividade secundária que achei muito bem feita e que não me lembro de ter sido feita assim noutro jogo, admitindo a possibilidade de simplesmente não conhecer nenhum. Ao que me refiro são caças ao tesouro. O que muitos outros jogos fazem neste tipo de missões é dar uma descrição vaga por texto e um ponto ou área no mapa da localização do tesouro, o que nos deixa com o trabalho praticamente feito, restando apenas seguir uma direção num mini mapa. O que o RDR2 faz para mudar o conceito, é remover por completo a localização oferecida e em vez disso oferece uns esboços desenhados do local. Com esta informação, somos obrigados a abrir o mapa com o declive do terreno, que pode ou não ter apontamentos dos diversos locais descobertos pelo Arthur, com o tipo de vegetação existente, e por tentativa e erro, descobrir a localização. As recompensas podem até não ser muito necessárias, tendo em conta o que já temos no inventário, mas o processo de descoberta e exploração é mais que recompensador. Na minha opinião, é uma das poucas situações em que o realismo que a Rockstar queria atingir acaba por beneficiar bastante a jogabilidade.

Para finalizar, apesar do potencial que poderia ter sido melhor explorado, não posso dizer que não desfrutei das quase 90 horas que gastei com este jogo. A história, personagens, o mundo, tudo isto é muito dificil de encontrar a um nível tão polido como aqui. Se tiverem interesse em comprar, força, vale cada cêntimo gasto.
Texto da autoria de Francisco Martins.
Francisco dos Santos Martins nascido em 1995 na cidade de Faro, é um entusiasta da cultura pop, mais especificamente, de videojogos.
Sempre em profundidade!
Quem te conhece bem, sabe que és assim. Ou tem raíz!… ou não se alimenta!!…
Deste lado sente-se conhecimento e firmeza na análise
Parabéns
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