Os tempos que se seguem são difíceis para um povo tão mediterrânico como o nosso: sem tardes de esplanada, sem abraços nem beijinhos, sem praia ou churrascadas. Mas esta época de quarentena não tem de passar completamente monótona ou improdutiva: aqui no Cabo, damos-te sete sugestões de livros para passares estes quinze dias em boa companhia.

Aniquilação, de Jeff Vandermeer

Ed. Saída de Emergência | Wook

Sim, falar-se de horror ecológico numa altura destas pode dar um bocadinho de frio no estômago; mas nenhuma altura é má para mergulhar no mundo perturbador e intenso da Trilogia Área X de Jeff Vandermeer.

Aniquilação conta-nos a história de um grupo de investigadoras enviadas para uma área florestal densa repleta de mutações e anomalias na sua fauna e flora. O trabalho das investigadoras, assim como dos investigadores que lá estiveram antes delas, é de catalogar as anomalias e tentar descobrir a sua origem. Mas há uma razão pela qual nenhum dos grupos de investigadores antes delas conseguiu: porque na Área X, a natureza reclamou o que é seu, e não permite intrusos.

A história segue pelos olhos de uma das investigadoras, que tem certamente algo a esconder – assim como todas elas. E esses segredos, mais até do que a própria Área X, podem ser letais.

O enredo segue uma estrutura com ecos de slasher movie – não fosse isto, ao fim e ao cabo, horror – e um pacing muito compassado, mas ao mesmo tempo de ficar sem fôlego. Aniquilação é mesmo o que precisas se queres ficar umas quantas horas preso num mundo eldrichiano e sem piedade. Bom, sem ser o nosso.

E um facto curioso: um dos cenários centrais do livro foi inspirado no Poço Iniciático da Quinta da Regaleira. Se alguma vez tinham achado o sítio um bocadinho para o intimidante, não foram os únicos: o Jeff também achou.

Será que os Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick

Relógio D’Água | Wook

E que tal aproveitares estes quinze dias para descobrir a ficção científica? Será que os Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick, é um dos melhores pontos de partida para o género: não fosse ele o livro que inspirou o tão aclamado Blade Runner.

Mas desenganem-se: Será que os Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas? é uma experiência completamente diferente de Blade Runner. Através dos olhos do caçador de recompensas Rick Deckard, embarcamos num mundo (ou, mais espeficicamente, São Francisco) destruído pela guerra nuclear. A maior parte da população humana emigrou para colónias fora da Terra; os que restaram são párias, com vidas e corpos poluídos por fumo e radioatividade, constantemente assediados para que desistam da Terra e se mudem para as colónias.

Contam-se histórias de pobreza, daqueles que não podem ir para as colónias, mesmo que queiram; de escravidão, de andróides que ganham consciência e não querem que a sua curta vida seja só de trabalho desumano; dos escapes que a Humanidade arranja, para se esquecer que está num mundo deixado para trás: lixo televisivo, religião fervorosa, adquirir animais reais num mundo onde estão quase todos extintos.

E conta-se a história de Rick Deckard: que, ao caçar andróides, se debate sobre o propósito de matar algo tão humano quanto ele.

Um Crime no Expresso do Oriente, de Agatha Christie

Edições ASA | Wook

À noite, debaixo de mantas (porque parecendo que não, a temperatura já caiu um bocado), com uma caneca de café e um mistério policial à antiga. O que poderia ser melhor? Os mistérios de Agatha Christie e as aventuras do peculiar Hercule Poirot raramente deixam a desejar, e Um Crime no Expresso do Oriente é uma das suas obras mais conhecidas por uma boa razão.

Uma noite, uma tempestade de neve pára o Expresso Oriente. Na manhã seguinte, um dos passageiros é encontrado morto com doze facadas. Hercule Poirot, que estava a bordo, decide então desvendar o mistério – e descobrir o que liga a vítima aos outros passageiros do Expresso.

À boa moda dos mistérios clássicos, é como um puzzle que vamos desvendando aos poucos – e à boa moda de Agatha Christie, é sempre uma surpresa o que encontramos no final.

Comandante Serralves – Despojos de Guerra

Ed. imaginauta | Convergência

Então e se aproveitarem esta altura não só para descobrir a ficção científica, mas a ficção científica portuguesa contemporânea? Para o efeito, temos o livro perfeito: Comandante Serralves – Despojos de Guerra, uma space opera portuguesa escrita a várias mãos.

Passa-se num futuro onde a Terra foi invadida por criaturas alienígenas chamadas pahoehoentes. Depois da invasão, a Aliança Humana restaurou a paz e a ordem e começou uma época de prosperidade e colonização do sistema solar. Mas, para tal, suprimiu e oprimiu a diversidade das culturas humanas.

E assim, seguimos o grupo rebelde que se opõe à Aliança e luta pela liberdade, encabeçado pelo mítico e misterioso Comandante Serralves.

É um livro onde cada escritor participante pôde construir a sua interpretação deste protagonista, o Comandante Serralves, e escrever uma das suas aventuras. O que resulta é uma personagem expansiva, assim como um universo expansivo, típico das space operas.

Além de um bom livro como standalone, é também um ponto de partida para uma história que está em constante construção – e que já publicou o seu segundo installment.

Se Numa Noite de Inverno um Viajante, de Italo Calvino

Editorial Teorema | Wook

Italo Calvino já é conhecido pelas suas histórias fragmentadas, tipo manta de retalhos – e Se Numa Noite de Inverno um Viajante não é diferente.

Partimos da premissa de um leitor, que está a tentar ler um livro chamado Se Numa Noite de Inverno um Viajante. No entanto, ao começar a ler, repara que comprou uma cópia do livro defeituosa, em que as páginas estão fora de ordem. Assim, parte numa aventura para conseguir completar a sua tarefa de ler o livro. Pelo caminho, conhece personagens inusitadas que lhe contam outras histórias – algumas mais relacionadas com a sua demanda, outras menos.

A obra acaba por ser, no fundo, uma matrioshka de histórias, que apaga a linha entre ficção e realidade e envolve o leitor como personagem na história.

Crónica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami

Casa das Letras/BIS | Wook

Se do que estão à procura é de um tijolinho complicado, não procurem mais: a Crónica do Pássaro de Corda de Haruki Murakami é um livro, constituído no seu interior por três livros, que segue uma história tão convoluta como fascinante.

Tooru Okada é um homem perfeitamente normal: até que um dia, o seu gato foge. Isto, sem ele saber, despoletará uma série de acontecimentos que estão fora do seu controlo, mas tenta a todo o custo compreender, para se manter à tona. O destino cruza-o com pessoas como May Kasahara, uma adolescente que trabalha numa fábrica de perucas; Malta Kano, uma vidente, e a sua irmã Creta; o Tenente Mamiya, que sobreviveu aos horrores da guerra e acabou no fundo de um poço. Todas elas com algo a dizer sobre identidade, a procura do “eu”, e o que significa realmente termos controlo sobre a nossa vida.

É daqueles que pede pelo menos uma segunda leitura: portanto ficam com os quinze dias despachados num instante.

Bons Augúrios, de Neil Gaiman e Terry Pratchett

Editorial Presença | Wook

Se há livro que eu recomendo em qualquer ocasião que se apresente, é o Bons Augúrios de Neil Gaiman e Terry Pratchett. Porque só estes dois escritores conseguiriam dar uma reviravolta tão grande ao Apocalipse.

Aziraphale e Crowley são um anjo e um demónio que vivem na Terra, por entre os humanos, há centenas de anos – e que, por isso, criaram um carinho especial pela Humanidade. Até que Crowley é designado pelo Inferno para colocar o Anticristo na Terra e despoletar o Apocalipse, a derradeira batalha entre anjos e demónios e a destruição do planeta Terra.

Esta é, assim, a história de um anjo e de um demónio, uma bruxa, um caçador de bruxas e um Anticristo demasiado humano – e a descoberta do que é, realmente, a humanidade.

Em tempos de crise, em que é tão fácil esquecermo-nos que as pessoas não são inerentemente boas, nem inerentemente más – apenas inerentemente pessoas, Gaiman e Pratchett não falham em apresentar-nos neste absurdo uma história muito verdadeira – e com um toque de humor à mistura.

Imagem de capa: Kaboompics.com no Pexels.com

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